Ontem chorei. Como há tanto não fazia. Provavelmente por não me permitir a tal considerada demonstração de fraqueza, pois há algum tempo meu intento é de ser fortaleza, com a disciplina e impecabilidade de um guerreiro, conhecendo a verdade de que sou sim feliz, de que sou sim a paz, se assim eu escolher. E por ontem vi que aquele choro repentino e espontâneo, há meses ensaiando sair, era o resultado de uma transformação mágica que acontecia, que acometendo meu corpo todo, lágrimas, respiração profunda, aperto no peito, soluços e um canto leve de criança escorregando macio pela minha garganta e dissolvendo-se no ar ao redor da boca, eram no entanto sinais de um milagre. Durou pouco, cerca de uns quinze minutos. Busquei motivo, procurei a raiz daquele sentimento que muito se assemelhava à mágoa, à perda de alguém, a uma tristeza profunda. Lembrei então de uma vez que me disseram ser este um acontecimento muito comum aos que submergem profundo no tempo presente, porém, já não estando mais lá, sentem o remorso de não viverem mais vezes naquele tempo, que sempre é.
Passei a semana passada em Salvador, Bahia, em um congresso que já tinha decidido ir (e pago) uns três meses atrás, mesmo sem saber qual era a programação, sem averiguar se o gasto financeiro iria me prejudicar nos meses subseqüentes e nem lugar pra ficar tinha. Mas sabia que estava me proporcionando um fantástico presente, sem ter noção da grandiosidade que ele viria a ser. Assim, duas amigas que foram comigo e eu conseguimos hospedagem na casa de um amigo conhecido por lá. Éramos nós três e mais sete pessoas de outros cantos do país que também tinham lá como pouso para os dias de congresso, no que montamos, então, a nossa família. Era um congresso brasileiro de saúde coletiva, que se diferenciava tremendamente dos de odontologia que eu pouco costumava ir durante a minha formação. Trazendo uma proposta distinta perante a sociedade, a saúde coletiva agrega pessoas que, reconhecendo as particularidades de cada um, trabalham por um novo projeto de sociedade, com maior justiça e maior amorosidade entre as pessoas.
Logo que coloquei os pés na Bahia, já senti que a energia era totalmente diferente de São Paulo. Pareceu que meu corpo expandiu, e que eu estava muito mais preenchida de ar. Não levei celular, não havia compromissos agendados e estava com um grande grupo de pessoas novas para mim, as quais não me prendia em comportamentos viciados. Os dias eram de sol. As possibilidades eram todas elas!
Fiquei os primeiros quatro dias dentro do Centro de Convenções, que tinha um amplo corredor envidraçado com uma fantástica vista para o mar. Apesar de eu ter anunciado aos quatro ventos que iria assim que possível dar uma fugidinha e colocar os pés na areia, custava a fazer. A programação do evento era cheia, e o peso de deixar a formalidade para trás era muito grande, somado ao fato de não encontrar ninguém que se aventurasse comigo à tremenda loucura de atravessar os dois quarteirões que nos afastavam da praia, sacrificando os ganhos intelectuais de um novo projeto de sociedade que se intencionava fazer dentro das tantas salas escuras, fechadas e gélidas pelo ar condicionado. Ao menos as noites compensavam. E muito. Talvez por isso tenha me detido tantos quatro dias a me jogar no mar logo à frente.
Todo o tempo do congresso, a grande turma, de jovens em sua maioria, que durante o dia se cruzavam nos corredores em abraços de alma, porém corridos, ou que se deitavam em ombros aconchegantes nas salas escuras de escolhas coincidentes, se juntavam pouco a pouco ao final das oficinas, conferências e debates, para então realizarem finalmente um projeto comum de felicidade. Foram bares com mesa comprida, aglomeração em roda de samba, festa de diversos instrumentos, no entanto, de uma nota só. Aquele coletivo formava, em fim, o tal novo projeto de sociedade. E talvez, alguns nem tivessem se dado conta disso.
No quinto dia dei ao luxo de uma pausa na racionalidade. Foi naquele mar, que se fazia exposto pelo vidro fume a todo o tempo, onde afoguei os pensamentos. Embebedei-os de água salgada e dei a lição que eles precisavam ter. Acanhados, portanto, calaram-se por ora. O ar pôde me preencher novamente. Foi breve, porém intenso. E leve. Neste dia retornei logo ao Centro de Convenções e continuei às discussões que se faziam há duas quadras de lá.
1 comentários:
Que linda descrição!
Inspiring...
Senti aqui a energia do que você relatou tão minuciosamente 6ª passada na pracinha. Legal, o detalhe foi complementado pela emoção.
Besitos :)
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