Verás aqui...

Ah... tanto mar. Tanto amor.
Sou um pedaço de vida que desperta a cada instante. Amo!
Teve um dia em que o mar levou um corpo, cheio de pensar, de achar. Neste mesmo dia o corpo escoriado nadou, sentiu, amou no mar. Viveu em mar. No corpo, agora Maria. Cheia de sentir. Muito que viver, tanto que amar. Ainda sim, cheia de pensar. Mas quando escreve, não pensa, transmite.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Relato de um milagre


Ontem chorei. Como há tanto não fazia. Provavelmente por não me permitir a tal considerada demonstração de fraqueza, pois há algum tempo meu intento é de ser fortaleza, com a disciplina e impecabilidade de um guerreiro, conhecendo a verdade de que sou sim feliz, de que sou sim a paz, se assim eu escolher. E por ontem vi que aquele choro repentino e espontâneo, há meses ensaiando sair, era o resultado de uma transformação mágica que acontecia, que acometendo meu corpo todo, lágrimas, respiração profunda, aperto no peito, soluços e um canto leve de criança escorregando macio pela minha garganta e dissolvendo-se no ar ao redor da boca, eram no entanto sinais de um milagre. Durou pouco, cerca de uns quinze minutos. Busquei motivo, procurei a raiz daquele sentimento que muito se assemelhava à mágoa, à perda de alguém, a uma tristeza profunda. Lembrei então de uma vez que me disseram ser este um acontecimento muito comum aos que submergem profundo no tempo presente, porém, já não estando mais lá, sentem o remorso de não viverem mais vezes naquele tempo, que sempre é.

Passei a semana passada em Salvador, Bahia, em um congresso que já tinha decidido ir (e pago) uns três meses atrás, mesmo sem saber qual era a programação, sem averiguar se o gasto financeiro iria me prejudicar nos meses subseqüentes e nem lugar pra ficar tinha. Mas sabia que estava me proporcionando um fantástico presente, sem ter noção da grandiosidade que ele viria a ser. Assim, duas amigas que foram comigo e eu conseguimos hospedagem na casa de um amigo conhecido por lá. Éramos nós três e mais sete pessoas de outros cantos do país que também tinham lá como pouso para os dias de congresso, no que montamos, então, a nossa família. Era um congresso brasileiro de saúde coletiva, que se diferenciava tremendamente dos de odontologia que eu pouco costumava ir durante a minha formação. Trazendo uma proposta distinta perante a sociedade, a saúde coletiva agrega pessoas que, reconhecendo as particularidades de cada um, trabalham por um novo projeto de sociedade, com maior justiça e maior amorosidade entre as pessoas.

Logo que coloquei os pés na Bahia, já senti que a energia era totalmente diferente de São Paulo. Pareceu que meu corpo expandiu, e que eu estava muito mais preenchida de ar. Não levei celular, não havia compromissos agendados e estava com um grande grupo de pessoas novas para mim, as quais não me prendia em comportamentos viciados. Os dias eram de sol. As possibilidades eram todas elas!

Fiquei os primeiros quatro dias dentro do Centro de Convenções, que tinha um amplo corredor envidraçado com uma fantástica vista para o mar. Apesar de eu ter anunciado aos quatro ventos que iria assim que possível dar uma fugidinha e colocar os pés na areia, custava a fazer. A programação do evento era cheia, e o peso de deixar a formalidade para trás era muito grande, somado ao fato de não encontrar ninguém que se aventurasse comigo à tremenda loucura de atravessar os dois quarteirões que nos afastavam da praia, sacrificando os ganhos intelectuais de um novo projeto de sociedade que se intencionava fazer dentro das tantas salas escuras, fechadas e gélidas pelo ar condicionado. Ao menos as noites compensavam. E muito. Talvez por isso tenha me detido tantos quatro dias a me jogar no mar logo à frente.

Todo o tempo do congresso, a grande turma, de jovens em sua maioria, que durante o dia se cruzavam nos corredores em abraços de alma, porém corridos, ou que se deitavam em ombros aconchegantes nas salas escuras de escolhas coincidentes, se juntavam pouco a pouco ao final das oficinas, conferências e debates, para então realizarem finalmente um projeto comum de felicidade. Foram bares com mesa comprida, aglomeração em roda de samba, festa de diversos instrumentos, no entanto, de uma nota só. Aquele coletivo formava, em fim, o tal novo projeto de sociedade. E talvez, alguns nem tivessem se dado conta disso.

No quinto dia dei ao luxo de uma pausa na racionalidade. Foi naquele mar, que se fazia exposto pelo vidro fume a todo o tempo, onde afoguei os pensamentos. Embebedei-os de água salgada e dei a lição que eles precisavam ter. Acanhados, portanto, calaram-se por ora. O ar pôde me preencher novamente. Foi breve, porém intenso. E leve. Neste dia retornei logo ao Centro de Convenções e continuei às discussões que se faziam há duas quadras de lá.

Já no dia seguinte houve programação, companhia e deslocamento de grande distância para um dia de praia. Ia finalmente realizar a minha prática de yoga para proporcionar a distribuição de todo aquele ar e energia nova que pouco ainda havia sido processada. Tão logo estendemos nossas cangas, um moço moreno, dotado de toda baianidade da terra, se aproxima fazendo propaganda de sua aula de surf. Como moeda, troquei o ensinamento da minha prática pela dele. E foi então que essa pessoa apareceu como luz num já dia iluminado. Naquele lugar, por alguns, até que longos, momentos, pude sentir a concretização de todos os sonhos, e a criação de toda e qualquer possibilidade.

No outro, e por fim, último dia, tal qual Toquinho e Vinicius, foi numa tarde em Itapuã que fiz no encontro de céu e mar, bem devagar ir sentindo a terra toda rodar. E falando de amor, sem ontem nem amanhã, caímos nos braços morenos da lua de Itapuã.

Ontem foi o segundo dia de volta para casa. O corpo ainda cheio do ar soteropolitano resiste. Mas o ar que outrora se fez entrar, aqui parece que as forças são no sentido de fazê-lo sair. E veio então o choro. Acredito que muito de todo aquele tempo que passei por lá estava vivendo o aqui e agora, a presença. Amava a todo instante, me entregava, íntegra, a todo alguém. Voltando ao conhecido e habitual, os padrões antigos tendem a voltar, engessando a liberdade de amar, pouco a pouco. E o remorso sentido por não viver mais tempo lá, no milagre da presença, devido ao corpo preguiçoso de embalado em redes baianas, fez-se fácil em pranto.

As evidências me incitam a crer que Salvador seria um bom lugar para se viver mais feliz. Porém, as evidências são mais claras ainda no sentido de que onde a amorosidade, a entrega e o novo se fizerem reinar, será sempre possível a concretização dos sonhos, sendo assim, a do sonho de um novo projeto de sociedade.

Agradeço imensamente aos amigos que compartilharam comigo esses dias de luz, crescimento, de amor e alegria. Agradeço intensamente aos queridos irmãos que trabalham junto comigo na transformação pessoal baseado nessa mágica forma de ver a vida. Agradeço ao dia, que embora chuvoso, me tem nele, assim como ele em mim.

1 comentários:

Grupo de Estudos "Alimentação Integrada" disse...

Que linda descrição!
Inspiring...
Senti aqui a energia do que você relatou tão minuciosamente 6ª passada na pracinha. Legal, o detalhe foi complementado pela emoção.
Besitos :)