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Ah... tanto mar. Tanto amor.
Sou um pedaço de vida que desperta a cada instante. Amo!
Teve um dia em que o mar levou um corpo, cheio de pensar, de achar. Neste mesmo dia o corpo escoriado nadou, sentiu, amou no mar. Viveu em mar. No corpo, agora Maria. Cheia de sentir. Muito que viver, tanto que amar. Ainda sim, cheia de pensar. Mas quando escreve, não pensa, transmite.

sexta-feira, 13 de março de 2009

A minha vivência no CECCO mostrou que...

...a descoberta das potencialidades e o exercício da troca de trabalho e afetividade entre as pessoas trazem um sentido, muitas vezes ausente, a suas vidas, levando-as naturalmente à valorização do auto-cuidado com sua saúde. Elas passam a apreciar mais seus cotidianos e relações com pessoas e ambiente, além de criarem perspectivas para novos trabalhos individuais e coletivos.
Penso ser absolutamente necessária a ampliação desse tipo de trabalho em saúde começando pelo entendimento de que saúde e subjetividade estão intimamente relacionadas. Reflexões devem ser feitas, não só pelo setor público, mas no âmbito geral da sociedade como uma quebra de paradigma na cultural quase que inteiramente global, a cerca dos valores que estabeleceram a garantia de uma boa saúde e satisfação do individuo e da coletividade pela aquisição de bens materiais, terapias dependentes da medicalização e tecnologia de ponta, um corpo disciplinadamente exercitado, regrado e esteticamente esculpido (nos moldes dos comerciais de cerveja e cereais matinais) e a suposta segurança de contar com um bom plano de saúde. Essa idéia fica clara em sua intenção quando Mance (1992) afirma:

“as semióticas do capital modelizam as subjetividades de maneira que seus desejos, aspirações, anseios, sejam orientados a práticas que não só favoreçam o acúmulo de capital das elites e a sua manutenção nos postos do poder político, como permaneçam dentro de códigos e limites que o próprio sistema impõe” (Mance, 1992).


Como foi revelado neste estudo, o trabalho do CECCO tem se mostrado de extrema importância na vida de seus freqüentadores. São inúmeras pessoas que poderiam estar tomando remédios para seus diversos problemas da vida e hoje os trocam por uma boa dose de atividades e afetividade e, até que provem o contrário, sem efeitos colaterais. Senhoras idosas deixam de definhar seus corpos e mentes em uma poltrona antiga no canto da sala, se queixando de suas dores e desoladas com a finitude da vida que sussurra pavorosamente em seus ouvidos, e em seu lugar planejam eventos festivos com suas colegas de oficinas e ensinam seus netos a fazerem ecológicas obras de arte.
Porém, qual é a notoriedade dada ao CECCO no município de São Paulo? Nunca ouvi alguém que soubesse do CECCO, fora os que já estão lá. E mesmo estes, só souberam por alguém que também já estava lá. Vinte unidades em toda cidade de São Paulo é um número insignificante e injusto em um sistema público que, começado pelo Movimento da Reforma Sanitária, diz buscar maneiras alternativas para a transformação de uma forma hegemônica de atenção à saúde, medicalizante e centrada na doença, mas que permanece reproduzindo quase que uma mesma cartilha há vinte anos, e ainda rodando às voltas do mesmo paradigma da “semiótica do capital modelizadora de subjetividades”. Penso já estar mais do que na hora de transcender a consciência sanitária levantada pela Reforma dos anos 70-80, que traz a idéia da “concomitância do corpo biológico com o corpo socialmente investido (corpo produtivo)” (Fleury, 1997), criando uma outra forma de enfrentamento dos dilemas da saúde pública com novos valores que passem a romper com a lógica da estrutura social pautada na produtividade econômica. É um tanto quanto incoerente lutar contra os ideais de um sistema ao mesmo tempo em que permanece o nutrindo e se alimentando dele.
Realizo esta pesquisa no intuito de fortalecer este precioso serviço municipal, intencionado que mais pessoas saibam de sua existência e como eu, passem a tirar proveito de suas atividades, (re)conhecendo, assim, suas potencialidades. Faço também contribuir para a reflexão sobre uma diferente forma de se viver a saúde da vida pautada em valores construídos pelo encontro com o outro, pela troca de afetividade e no exercício de consolidar a percepção do sentimento de unidade entre todos os seres-humanos e seu meio ambiente.
Encerro esta primeira parte com outra citação de Euclides Mance (1992), carregada de lucidez e brilhantismo, que vem a corroborar a minha presente argumentação:

“Várias experiências pedagógicas de educação popular vem ocorrendo resgatando teatros, fantoches, jogos, que envolvem os participantes não apenas cognitivamente, mas também esteticamente visando promover processos de subjetivação. Tais experiências encontram muitas resistências porque grande parte de lideranças afirmam ser estas práticas uma perda de tempo e de recursos que poderiam ser melhor aproveitadas para fazer cursos de formação política tradicionais em que se pretende desmontar uma ideologia a partir de uma teoria crítica. Outros dizem que somente as lutas transformam as pessoas. A rigor é preciso mais que discurso para desalienar desejos. (...) São necessárias -- e isso é inegável -- lutas e reflexões críticas, mas além disso é preciso criar mecanismos apropriados, e desenvolver práticas intersubjetivas que permitam nesses processos o desabrochar de seres humanos, em que o desejo alterativo apareça como o fundamental sentido da vida.” (Mance, 1992).

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